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Shep Houghton, o rei dos figurantes



Imagine um ator que tem em seu currículo filmes como Ramona (Idem, 1928), Cleópatra (Cleopatra, 1934), O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939), ...E o Vento Levou (Gone with the Wind, 1939), Desfile de Páscoa (Easter Parade, 1948), Dançando nas Nuvens (It's Always Fair Weather, 1955), A Volta ao Mundo em 80 Dias (Around the World Eight Days, 1956), Prisioneiro do Rock and Roll (Jailhouse Rock, 1957), Quanto Mais Quente Melhor (Some Like it Hot, 1959), Alô, Dolly! (Hello, Dolly, 1969), O Dirigível Hindenburg (The Hindenburg, 1975) e muitos outros. A primeira reação seria pensar que ele é um astro com uma extensa carreira, mas este é o currículo de Shep Houghton, "o rei dos figurantes de Hollywood".






Shep Houghton nasceu em 04 de junho de 1914, e desde pequeno gostava  de ir ao cinema. Aos onze anos assistiu o maestro John Phillip Sousa regendo uma orquestra pra acompanhar a sessão de Em Busca do Ouro (The Gold Rush, 1925), de Charles Chaplin.

Aos treze anos mudou-se com a família para Hollywood, indo morar a dois quarteirões da Paramont Studios. O menino foi até o estúdio, e conseguiu falar diretamente com Josef Von Sternberg, e pediu-lhe um emprego. O diretor lhe deu um pequeno papel no ainda mudo Paixão e Sangue (Underworld, 1927). Pequenos papéis, sem crédito, marcariam toda a sua carreira. O ator ainda fez mais alguns filmes mudos, e posteriormente viu a transição para o cinema falado. Mas ele, continuava mudo em cena.

Ele fazia os trabalhos como extras apenas ao sábados, para não atrapalhar seus estudos. Quando começaram a produzir os filmes sonoros, os estúdios gravavam a noite para evitar o barulho das cidades, do transito e das pessoas. Como não podia virar a noite trabalhando, deixou o cinema por alguns anos até terminar a escola.

Sem emprego no cinema, foi trabalhar em uma casa de espetáculos, como vendedor de cigarros, tendo como colega Nellie Carter, a mãe de Mickey Rooney. Por muitas vezes, Shep cuidou do bebê Rooney para ajudar a amiga. 

Ao se formar no ginásio voltou a atuar como extra. Foram os figurantes que lhe mostraram onde havia um bar para se beber escondido (era os tempos da lei seca), bebendo wisky em uma xícara de café para disfarçar. Em entrevista para o livro Hollywood Unknowns, de Anthony Silde, ele relata que os figurantes construíram uma favela próxima a Universal, para estarem por perto quando alguém precisasse de um ator. Que muitas mulheres dormiam com os diretores tentando uma chance (que muitas vezes não recebiam) e que chegou a ver uma mãe tentar trocar o seu bebê por um papel.

Shep fazia parte do primeiro time de figurantes. Eram eles quem providenciavam suas próprias roupas, e seu salário variava de acordo com seu guarda-roupas. Como tinha um smoking e roupas elegantes, ganhava U$ 15,00 (quinze dólares por dia). Pessoas que usavam roupa de banho ou passeio ganhavam U$ 10,00, pessoas com roupa comum U$ 7,50 e com roupas de "vagabundo" apenas U$ 5,00. Os estúdios só forneciam o figurino em filmes de época ou em filmes de faroeste ou guerra, mas aí o salário era de apenas U$ 7,50 dólares ao dia.

Durante as filmagens de A Dupla do Outro Mundo (Topper, 1937), pediram que ele tirasse seu smoking e vestisse um uniforme de garçom. Os outros figurantes o esnobaram por ter sido "rebaixado". Foi então que o diretor lhe deu uma pequena fala, e seu salário foi para U$ 25,00 dólares. Foi sua primeira fala após dez anos de carreira.

Puxando a cadeira para Constance Bennet em A Dupla do Outro Mundo

Shep atuou em alguns filmes de guerra, mas não gostava, pois o trabalho geralmente apenas um dia, o tempo suficiente para morrer em cena. Além disto, ele viu três figurantes morrerem de verdade em cenas de batalha, ao serem pisoteados por cavalos. Como era dançarino, acabou fazendo mais trabalhos em musicais, passando a ser um fixo nos balés coreografados de Bubsey Berkley. Foi nesta época que foi escalado para ensinar Greta Garbo a valsar. 

Shep havia sido contratado para fazer parte do corpo de baile de um filme que havia sido cancelado. Como já havia recebido, ficou a disposição do estúdio. Para não receber sem trabalhar, foi então encaminhado a Greta Garbo, para lhe ensinar a dançar valsa, que ela dançaria em O Romance de Madame Waleska (Conquest, 1937).

Em Rua 42 (42nd Street, 1933)

Em A Alegre Divorciada (The Gay Divorce, 1934)

Shep como um dos pianos dançantes em Mordedoras de 1935 (Gold Diggers, 1935)

Em O Mundo é Um Teatro (Ziegfeld Girl, 1941)

Em 1939 gravou duas semanas de O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939). Iria fazer mais uma cena, mas foi chamado para atuar em outro filme, que necessitava de muitos figurantes, era ... E o Vento Levou (Gone With the Wind, 1939). Neste filme ele gravou duas cenas, foi um dos sulistas empolgados com a guerra, e posteriormente um soldado na cena do incêndio de Atlanta.

Um fato curioso ocorreu durante as filmagens de Ser ou Não Ser (To Be or Not to Be, 1942). Shep fazia um soldado nazista, e saiu com outros figurantes para almoçar (o estúdio não fornecia refeição aos extras) usando o uniforme de filmagem devido ao curto tempo que tinham de almoço. Os rapazes de farda nazistas foram presos, e escoltados pela polícia até o estúdio quando conseguiram provar serem atores fantasiados. A partir de então, todos os estúdios começaram a servir comida também para os figurantes. No final do mesmo ano ele fez parte do bailado da cena de abertura de Sombra de Uma Dúvida (Shadow of a Doubt, 1943). Após ensaiarem a cena por seis horas, finalmente começaram a filmar. Alfred Hitchcock levou mais duas horas filmando, sendo o único no set que havia comido. No dia seguinte, a comissão do trabalho entrou no estúdio e multou o diretor em U$ 10.000,00 (dez mil dólares). A partir deste episódio foi criada uma lei que obrigava que todos os trabalhadores da indústria fossem alimentados a cada cinco horas e meia de trabalho.

Shep dançando na abertura de Sombra de Uma Dúvida

Quando os figurantes deixaram o Screen Actors Guild (SAG), para formar seu próprio sindicato, Shep Houghton fez parte dos primeiros sócios do Screen Extras Guild, em 1946. Muitos dos sindicalizados ficaram sem emprego, mas ele continuou atuando na década de cinquenta, fazendo também muitas aparições na televisão. 

Em Prisioneiro do Rock and Roll 

Em O Julgamento de Nurenberg (Judgment at Nuremberg, 1960)

Na década de setenta ele sentiu que Hollywood não era mais a mesma. O sistema de estúdios havia mudado, e os diretores de casting que ele havia conhecido já não trabalhavam mais. Também estava cansado de entrar pela porta da frente dos estúdios há quase cinquenta anos, sem que ninguém soubesse seu nome.

Shep deixou o cinema após trabalhar em A Última Loucura de Mel Brooks (Silent Movie, 1976), encerrando uma carreira de mais de 300 filmes, sem nunca ter sido creditado em nenhum.


Após deixar o cinema passou a dedicar-se ao mercado de ações. Ele foi casado com a atriz Geraldine Farnun, filha do ator do cinema mudo Franklyn Farnun

Ele faleceu aos 102 anos em 15 de dezembro de 2016, mas sua morte só foi divulgada em maio de 2017.

Veja algumas cenas de Shep Houghton no cinema


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