Em 1950 Billy Wilder dirigiu o filme Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulvard, 1950), que retrava a vida de Norma Desmond (vivida por Gloria Swanson), uma antiga estrela do cinema mudo decadente, e meio perturbada, que sonhava com o seu triunfal retorno que nunca aconteceria.
A atuação magistram de Swanson no papel é uma das mais marcantes da história do cinema, mas apesar de a história de Norma Desmond e Gloria Swanson terem muitas semelhanças, ao contrário do que se pensa, Gloria não ficou obcecada pelo cinema quando ele fechou as suas portas. Ela era uma mulher prática e vivia o presente, e não era amargurada por ter sido esquecida em Hollywood, indo buscar emprego no rádio, teatro e televisão.
Até hoje muitos acreditam que Crepúsculo dos Deuses foi inspirado na própria Gloria Swanson, o que não é de fato verdade, embora Billy Wilder tenha incluído algumas referências após definir qual seria a atriz que iria protagonizar esta obra-prima sobre os bastidores da vida desconcertante em Hollywood.
Aliás, Gloria nem foi a primiera opção para o papel. Wilder queria uma antiga estrela, afastada das telas há muitos anos, e sua primeira escolha foi Mary Pickford, a antiga "Namoradinha da América", mas ela ficou ofendida quando o diretor lhe apresentou a trama da história.
Mae Murray, Greta Garbo, Norma Shearer e até Mae West também recusaram o papel, e Pola Negri, foi descartada por ainda ter um forte sotaque polonês, o que destruíu sua carreira com a chegada do cinema falado.
Crepúsculo dos Deuses não é exatamente baseado na vida de uma única pessoa, mas inspirou-se no destino de algumas das antigas estrelas do cinema mudo, como a reclusão de Mary Pickford, e as lutas contra doenças mentais enfrentadas por Mae Murray e Clara Bow, que foram amplamente documentadas pela imprensa.
O próprio nome da protagonista, Norma Desmond, foi uma espécie de homenagem a antiga estrela Norma Talmadage e a William Desmond Taylor, cujo assassinato, em 1922, até hoje não foi esclarecido.
Cheio de referências e metalinguagens, o filme tem uma clara inspiração também na atriz Valeska Surat, uma estrela glamurosa que reinos nos anos 1910, nos primórdios de Hollywood.
No filme de Wilder, Norma Desmond tem um ambicioso projeto, fazer seu retorno triunfal às telas em uma adaptação de Salomé, sob direção de Cecil B. DeMille, antigo diretor de seus maiores sucessos do pasado. Na vida real, Suratt ficou anos com um roteiro sobre a Virgem Maria debaixo do braço, que marcaria sua volta em grande estilo ao cinema, e seu desejo era que a super produção o
Quem Foi Valeska Suratt?
Valeska Suratt foi uma grande estrela do cinema mudo, que fazia o estilo "Vamp", que eram personagens femininas fortes, ousadas, exóticas e sensuais, ao contrário das mocinhas delicadas que eram muito populares nesta época.
Suratt, Theda Bara e Virginia Pearson foram as Vamps mais famosas do cinema mudo.
Infelizmente, nenhum de seus filmes sobreviveu ao tempo.
Seu nome verdadeiro era realmente Valeska Suratt, mas muito de sua biografia foi inventada para os fãs, como fizeram muitos astros do período. Apesar do nome exótico, que ela dizia ser de origem russa, ela nasceu no interior de Indiana, em 28 de junho de 1882.
Seu pai era maquinista de trem, embora ela afirmasse ser uma jovem russa descoberta por um conde russo, amigo do Czar Romanoff, e que o nobre havia investido uma fortuna em sua carreira.
A verdade é que ela havia economizado seu salário em uma fábrica de chapéus, para ir para Chicago, tentar a carreira no teatro. Ela começou a se apresentar nos palcos do Vaudeville por volta de 1900.
Em 1904 ela se casou com o ator Billy Gould, que havia feito fama nos teatros de variedades (Vaudeville), com o rosto pintado de negro, no que hoje conhecemos como Blackface, um número racista, muito popular no entretenimento por muitas décadas.
Valeska Suratt estreou na Broadway em 1906, e era conhecida por ser ousada e sensual nos palcos, e suas apresentações muitas vezes, foram encerradas pela polícia, autoridades ou pela censura.
Junto com o marido, Valeska criou um número chamado "Dança Apache", que era similar ao tango, mas com movimentos mais violentos (simulando inclusive agressões, como tapas e rasgar o vestido) e mais acrobáticos. O estilo ficou extremamente popular (mais ou menos como as coreografias e dancinhas do Tik Tok de hoje em dia), e pode ser visto no filme Somente deus Por Testemunha (A Nith to Remember, 1958), quando o jovem Robert Wagner, a bordo do Titanic, ensina os passos para adolescentes inglesas na primeira classe do navio.
Como é sabido, o Titanic afundou em 1912, época em que Suratt estava no seu auge teatral.
Valeska também era conhecida por suas roupas luxuosas e extravagantes, que ela mesmo criava, e custavam verdadeiras fortunas. Ela possuia uma capa "estilo Cinderela", que havia custado, em 1910, 11 mil dólares (quase 400 mil dólares se atualizarmos para os dias atuais), e certa vez, em uma festa, rasgou o vestido de uma atriz, dizendo que ela havia copiado um de seus figurinos.
Muitas vezes ela era creditada como "A Imperatriz da Moda" e a revista Vogue a chamou de "A Atriz Mais Bem Vestida dos Palcos".
Valeska Surat no cinema
Valeska Suratt e Theda Bara foram contratadas juntas pela Fox, em seus primórdios, em 1915. Ela já tinha 33 anos na época, o que já era considerado uma idade um tanto avançada para uma atriz.
The Soul of Broadway (1915), foi seu primeiro trabalho no cinema, e entre 1915 e 1917 ela estrelou 11 filmes. Infelizmente, todos os seus trabalhos no cinema se perderam no incêndio nos arquivos da Fox, em 1937, e hoje ela é uma das poucas artistas cinematograficas que toda a filmografia se perdeu.
Restam porém, os diversos retatos publicitários feitos para divulgar suas produções.
Conhecida por suas roupas extravagantes, ela usou 150 vestidos em seu filme de estreia, e reza a lenda que cada um teria custado 25 mil dólares (760 mil dólares nos valores atuais). Era a atriz quem financiava seus figurinos, já que nenhum estúdio investiria esta fortuna em uma produção.
Seu nome já era mundialmente famoso, e ela já havia feito turnês pela Europa, Japão e até na África, mas seu ingresso no cinema aumentou ainda mais sua popularidade, fazendo com que ela conquistasse uma nova legião de fãs, inclusive no Brasil.
Mas suas produções luxuosas e extravantes eram caras demais, e Valeska não era exatamente uma atriz excelente, sendo mais vista como uma figura glamurosa, e o público começou a cansar das histórias de seus filmes, que eram mais baseadas em suas roupas do que em um bom enredo, e o interrese pela atriz começou a diminuir. Além disto, ela não era a pessoa mais fácil de se ligar nos bastidores.
Tendo feito seu último filme em 1917, e sem que nenhum de seus filmes tenha sobrevivido ao tempo, hoje é quase impossível que exista uma pessoa viva que tenha visto uma de suas produções cinematográficas.
Porém, existe um único registro da atriz, um filme caseiro feito em sua residência, em 1917. Nele vemos Surat com roupas mais simples, e entregando uma Bíblia a um homem não identificado. Nesta época, a religão estava cada vez mais presente em sua vida.
O declínio da estrela
No começo da década de 1920 seu nome já estava quase no esquecimento, e seus altos gastos fizeram sua fortuna desaparecer. Além disto, Valeska tornou-se uma espécie de fanática religiosa, e dizia à todos que ela era a reencarnação da Virgem Maria, a mãe de Jesus.
Ela escreveu um roteiro sobre Maria Imaculada, e percorreu os estúdios tentando, sem sucesso, emplacar o seu ambicioso projeto "biografico". Porém, seu sonho era que a obra fosse dirigida por Cecil B. DeMille, que havia feito produções mudas de obras bíblicas como Os Dez Mandamentos (1922), e Ben Hur (1925), que apesar de não ser um texto bíblico, tinha cunho religioso.
Ela efim entregou o roteiro para DeMille, mas não obteve nenhuma resposta. Passaram-se uma dpecada desde que ela estava afastada do cinema, e sem que nenhum estúdio manifestasse interesse em produzir seu filme, estrelado por uma decadente atriz, antes considerada profana.
Foi então que Cecil B. DeMille lançou outro filme épico, o Rei dos Reis (1927), que contava a vida de Jesus Cristo, e era estrelado por H.B. Warner.
Valeska Suratt ficou enloquecida, dizendo que DeMille não só havia roubado seu roteiro, como também alegou que o diretor havia feito uso indevido de sua imagem, já que a Virgem Maria aparecia no filme, interpretada pela atriz Dorothy Cumming.
A atriz processou o diretor, e o processo se arrastou até 1930. Por fim, um acordo entre as partes foi feito, porém, sob sigilo de confidencialidade, os termos nunca se tornaram público. Não sabemos, portanto, se a atriz foi ou não indenizada, mas sabemos que após o litígio, ela entrou para a lista de pessoas indesejadas, e nunca mais trabalhou na indústria do entretenimento.
A sua louca jornada pelo retorno ao cinema, interpretando a Mãe de Jesus, serviu de inspiração para o roteiro de Crepúsculo dos Deuses (1950), mas desta vez, com Norma Desmond querendo que o próprio DeMille dirigisse a sua versão de Salomé. H.B. Warner, o antigo Jesus de O Rei dos Reis (1927), é um dos amigos de Desmond com quem ela joga poker em uma cena do filme (ao lado de Buster Keaton e Anna Q. Nilson, outros antigos astros do cinema mudo).
Depois disto, o nome da atriz desapareceu da mídia, e pouco se sabe da sua vida a partir de então. Em dificuldades financeiras, ela tentou vender sua históra para o magnata da mídia William Handolph Hearst, que era dono de diversos jornais americanos.
Hearst ficou interessado, pois seus veículos de comunicação eram famosos por explorarem tragédias de famosos para vender jornais e revistas. Porém, após uma breve negociação, o editor disse a Hearst que a história era impublicável, e que em seus delírios Suratt não só afirmava que era a reencarnação da Virgem Maria, como também, por vezes, dava a entender que era a própria Santa, com quase 2000 mil anos de idade.
Infelizmente, esses manuscritos não foram preservados, mas acredito que seriam uma leitura, no mínimo, curiosa.
A miséria e o fim da vida
Na segunda metade da década de 1930, a escritora Fannie Hurst descobriu a atriz morando em um quarto de pensão barata, completamente falida, e prestes a ser despejada.
Hurst, autora do romance Imitação da Vida (que foi adaptado para o cinema) e que havia trabalhado como roreirista ficou comovida com a situação de sua contemporânea, que era o esplendor das maiores festas do começo do Século XX, organizou um evento beneficente para ajudar Suratt.
A romancista conseguiu arrecadas 2 mil dólares (cerca de 50 mil nos dias de hoje), mas assim que entregou para Suratt, ela desapareceu. Após duas semanas, Suratt reapareceu na pensão, sem um centavo, após ter gasto tudo com jogos de azar, algo um tanto impróprio para auto proclamada Virgem Maria.
Depois disto, nada mais sabemos da vida da atriz, até que em 02 de julho de 1962, uma casa de repouso chamou os órgãos competentes para informar a morte de uma residente. Ela era Valeska Suratt, a antiga estrela dos primeiros anos de Hollywood.
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