Não é possível se falar da Segunda Guerra Mundial sem falar do Holocausto, um dos episódios mais tristes da história recente. Inúmeras são os relatos de tragédias.
Mais de seis milhões de judeus foram mortos, e mais de um milhão deles eram crianças. E nem só judeus eram enviados aos campos de concentração, mas também inimigos políticos, pessoas portadoras de deficiência, praticantes de outras fés, bem como homossexuais, ou qualquer pessoa que incomodasse de alguma forma o regime nazista.
Entre os milhões de mortos, diversas pessoas célebres, como músicos, compositores, atletas olímpicos, acadêmicos, membros da realeza européia, escritores, cientistas. Entre eles também, diversos artistas cinematográficos atuantes, principalmente, na produção européia.
Aqui, uma pequena homenagem para alguns desses artistas que tiveram suas vidas ceifadas em campos de concentração.
Muitos deles hoje são nomes esquecidos, mas entre os artistas que tiveram a felicidade de sobreviver, podemos citar os diretores Milos Forman e Roman Polanski, a atriz Ingrid Pitt, o mímico Marcel Marceau e a cineastra Marceline Loridan-Ivens. Também fazem parte da lista dos sobreviventes o ator Robert Clary, que atuou em Guerra, Sombra e Água Fresca.
Lea Deutsch (1927-1943)
Talvez uma das histórias mais tristes do holocausto, envolvendo artistas cinematográficos. A croata Lea Deustch começou a atuar aos cinco anos de idade, e foi uma das mais populares atrizes mirins de seu país, sendo chamada de "A Shirley Temple Croata".
A fama em seu país chamou a atenção de um estúdio de cinema francês, que chegou a contratar a menina, embora ela só tenha tido tempo para atuar em um documentário, sobre ela mesma. Proibida de atuar pelas leis anti-semitas, Lea passou a se sentar em frente ao teatro onde antes era uma estrela. Com um casaco surrado com uma estrela de Davi costurada no peito, ficava horas em frente ao prédio onde antes era admirada.
Em 1943 ela foi deportada com a família para Auschwitz, mas não sobreviveu a viagem de trem de seis dias, sem comida e água. Lea Deustch foi uma das 25 pessoas que já chegaram mortas no Campo de Concentração. Ela tinha apenas 16 anos de idade. Sua mãe e irmãos foram executados posteriormente, mas seu pai conseguiu sobreviver.
Em 2005 o cineasta Branko Ivanta dirigiu Lea e Darija (2005), baseado em sua vida.
Max Ehrlich (1892–1944)
Ator, cantor, diretor, roteirista, e astro dos cabarés alemãos, Max Ehrlich foi um dos mais populares comediantes da Alemanha entre os anos 20 e 30. Atuou em 42 filmes, muitos deles exibidos no Brasil. Foi proibido de atuar a partir de 1933, no auge da carreira.
Em 1943 foi enviado para o campo de concentração de Wersterbork, onde ele criou um grupo de teatro que realizou produções por dezoito meses. Muitos dos integrantes também eram astros das telas e palcos europeus, como Willy Rosen, Camilla Spira, Kurt Gerron, Esther Jeannette Zwaap-Philipse, Jetty Cantor e a dupla Johnny & Jones (desta lista, apenas Camila Spira e Jetty Cantor sobreviveram). O grupo chegou a ter 51 integrantes, entre músicos, dançarinos, coreógrafos, alfaiates, maquiadores, e técnicos teatrais. Os espetáculos eram feitos para os outros prisioneiros, como uma forma de dar esperança e coragem diante de uma existência insuportável. Apenas dois integrantes da companhia de Westerbork sobreviveram.
Em 1944 foi enviado para Auschwitz. Ao chegar no campo, foi reconhecido por um oficial nazista, que ordenou que ele passasse por uma sessão de tortura especial, antes de ser enviado par a a câmara de gás.
Willy Rosen (1894–1944)
Compositor, músico, cantor e ator alemão, foi um dos integrantes da companhia de Max Ehrlich em Westerbrok. Era um popular artista de cabaré alemão, e suas músicas foram usadas em diversos dos primeiros filmes sonoros do país.
Esther Jeannette Zwaap-Philipse (1913-1944)
Cantora e atriz dos cabarés holandeses. Seu marido e filhos também foram executados em Auschwitz.
Johnny & Jones
Arnold Siméon Van Wesel (Johnny, 1918-1945) e Salomon Meyer Kannewasser (Jones, 1916-1945). Dupla de cantores de jazz holandesa, astros do rádio na década de 30. Sob influencia norte-americana, faziam muito sucesso na Holanda, também com músicas humorísticas. Gravaram muitos discos, antes de serem enviados para Westerbrok. Com o avanço das tropas aliadas, fizeram parte dos milhares de prisioneiros enviados para Auswitchz, onde suas esposas foram executadas.
Pouco tempo antes, ainda em Westerbrok, conseguiram gravar clandestinamente a canção Westerbork Serenade, em 1944.
Ambos morreram de exaustão nos campos de trabalhos forçados, e Jones faleceu no mesmo dia em que Auschwitz foi libertado. Ele chegou a ser resgatado pelo exército russo, mas faleceu no mesmo dia devido ao seu grave estado de saúde.
Dora Gerson (1899–1943)
Cantora e atriz alemã. Foi uma grande estrela na década de 20, gravando diversos discos. Em 1920 estreou no cinema em Auf Den Trümen des Paradieses (1920), que tinha no elenco ainda Béla Lugosi, que anos mais tarde ficaria famoso como Drácula, em Hollywood. Fez um segundo filme com o Lugosi.
Gerson foi casada entre 1922 e 1924 com o diretor Veit Harlan, que se tornaria um dos maiores cineastas da propaganda nazista de Joseph Goebbels. Após ser incluída na lista negra em 1933, chegou a gravar discos em Idiche em um pequena gravadora judaica. Sua última canção, era uma balada em homenagem à Alemanha antes do nazismo, cujo refrão dizia:
Eles foram além da lembrança
Um olhar final, um último beijo
E então tudo acabou
sob a moldura da eternidade
Uma palavra final, uma última despedida
Chegou a fugir para a Holanda, mas após a ocupação, ela o marido e o filhos foram enviados para Auschwitz, onde foram executados.
Kurt Gerron (1897–1944)
Kurt Gerron e Marlene Dietrich
Os cinéfilos lembram dele como Kipert, o mágico de O Anjo Azul (Der Blaue Engel, 1930), que revelou ao mundo Marlene Dietrich. Ator em quase 80 filmes e diretor de outras 30 obras. Como diretor, deu o primeiro papel a atriz Louise Rainer em Heut' Kommt's Drauf An (1933).
Grande astro do cinema alemão, Peter Lorre e Josef von Sternberg lhe ofereceram diversos papéis em Hollywood, mas recusou-se a deixar seu país natal. Junto com a esposa, foi enviado para Westerbork, antes de ser enviado para Theresienstadt, um campo de concentração "modelo", enfeitado para enganar a comunidade internacional.
Theresienstadt possuía muitos prisioneiros ilustres, muitos deles artistas, que eram obrigados a se apresentarem para delegações internacionais para mostrar que os judeus eram bem tratados. Lá, ele montou uma companhia ao lado do músico de jazz Martin Roman, que regia uma orquestra com outros músicos famosos.
Neste campo, Gerron dirigiu o falso documentário Der Führer schenkt den Juden eine Stadt ( O Führer Dá aos Judeus uma Cidade ), que foi destruído após 1945.
Após a realização do filme, Gerron, sua esposa e os integrantes da companhia musical foram enviados a Aswchitz, onde foi executado. Em 1960 fragmentos do documentário foram encontrados em uma cinemateca particular na Iugoslávia.
René Blum (1872-1942)
Empresário francês, fundados do Ballet de de L'Ópera de Monte Carlo. Era irmão do primeiro ministro francês Léon Blum. Também editor, foi o primeiro a publicar um livro de Marcel Proust. Judeu, fugiu para os Estados Unidos em 1939, onde trabalhou em dois filmes da Warner Brothers, dirigidos por Jean Negulesco. Retornou à França em 1940, para visitar alguns parentes e acabou preso pelo exército nazista. Foi executado em setembro de 1942.
Arthur Bergen (1875–1943)
Ator, diretor e roteirista austríaco. Atuou em 48 filmes, inclusive A Canção do Meu Amor (Moderne Mitgift, 1932) e Sinfonia do Amor (Kaiserwalzer, 1933), ambos estrelados por Martha Eggerth, e exibidos com sucesso no Brasil. Foi executado em 1943.
Maria Forescu (1875–1943)
Atriz e cantora nascida na Áustria-Hungria. Iniciou a carreira como cantora lírica, e foi uma estrela do bel canto. Estreou no cinema em 1911, e passou a dedicar-se a carreira de atriz. Atuou em mais de 160 filmes, muitos deles exibidos no Brasil. Chegou a ser membro do Conselho Estudantil do Terceiro Reich, e foi apoiadora do nazismo alemão. De origem judia, foi banida da vida artística em 1932 e enviada para um gueto. Foi executada no campo de Buchenwald, em 1943.
Egon Friedell (1878–1938)
Filósofo, historiador, escritor, jornalista, ator, e crítico teatral austríaco. Estrelou o filme Die Marquise Von Clermont (1922). Cometeu suicídio enquanto era prisioneiro em um campo de concentração. Em um de seus livros, escreveu "todo vestígio de nobreza, piedade, educação e razão é perseguido da maneira mais odiosa e básica por um bando de servos degradados"
Eugen Burg (1871–1944)
Um dos mais populares atores do cinema mudo alemão, atuou em quase 100 filmes (muitos deles, exibidos no Brasil), mas foi banido da indústria do cinema em 1933, após a ascensão do nazismo. Foi executado em 1944, mas sua filha, a também atriz Hansi Burg conseguiu fugir do campo de Theresienstadt, refugiando-se na Inglaterra.
Lisl Frank (1911-1944)
Dançarina, cantora e atriz nascida em Praga. Uma das maiores estrelas dos palcos de seu país, antes da Segunda Guerra Mundial. Casada com o ator Otto Aufrichtig, também fez parte da companhia de Westrebok. Enviada com o marido para Auschwitz, posteriormente foi obrigada a ir a pé para o campo de concentração de Theresesienstadt.
Theresesienstadt foi um campo reformado e efeitado para ser vistoriado pela Cruz Vermelha, para dizer que os prisioneiros viviam em condições de vida dignas. Muitos artistas e famosos foram enviados para o campo, porém 151 faleceram enquanto marchavam rumo ao novo cativeiro. Lisl Frank foi uma delas. Otto sobreviveu ao Holocausto, e continuou sua carreira após ser libertado.
John Gottowt (1881–1942)
Ator astro-húngaro. Estreou no cinema no clássico O Estudante de Praga (Der Student Von prag, 1913). Apareceu em clássicos do cinema mudo Genuine (1920), de Robert Weine e foi o professor Bulwer em Nosferatu (1922). Foi assassinado pela polícia alemã em 1942, ao resistir embarcar em um trem.
John Gottowt em Nosferatu
Ernst Arndt (1861–1942)
Ator alemão, atuou em filmes como A Sinfonia Inacabada (Leise Flehen Meine Lieder, 1933).
Zoltán Hirsch (1885–1944)
Zoltán Hirsch era um artista de circo, muito famoso na Hungria. Judeu, foi impedido de trabalhar, e condenando a usar a estrela de Davi no peito. Devido a sua baixa estatura, fez uma estrela menor, para ficar mais proporcional, mas o ato foi considerado uma afronta e o ator, que atuou em seis filmes, foi enviado ao campo de Auschwitz, onde foi obrigado a se vestir de porteiro e saudar os oficiais nazistas na entrada. Mesmo assim, foi condenado a câmara de gás, em 1944.
Um brinquedo de cordas foi feito em sua homenagem, quando o ator estava no auge da fama.
József Sándor (1879-1944)
Sándor era lutador Iugoslavo, e competiu nos Jogos Olímpicos de 1912. Atuou em três filmes, e foi executado em um campo de concentração em 1944. Ele não era judeu, mas junto com sua família, escondeu diversos judeus na adega de sua casa. Foi preso enquanto tentava levar comida para famílias moradoras de um gueto.
Leopold Brodzinski (1894–1942)
Astro do teatro polonês, fez apenas um filme. Amigo de Pola Negri, foi visitá-la em Hollywood, e ficou hospedado na casa de Rudolph Valentino. Foi executado na câmara de Gás.
Leopold Brodzinski, Rudolph Valentino e Pola Negri, em Hollywood
Franz Engel (1898–1944)
Um dos mais populares artistas dos cabarés austríacos da década de 30. Era ator, cantor, escritor, e atuou em três filmes, em um deles, dirigido por Otto Preminger. Montou um cabaré resistência na Áustria, com outros artistas judeus, mas foi preso e levado a câmara de gás, em 1944.
Josef Skrivan (1902–1942)
Ator e diretor, também era austríaco. Atuou no também no rádio e em 1941 havia sido eleito o maior ator do país pelo governo. Atuou em diversos filmes.
Otto Wallburg (1889–1944)
Ator cômico alemão, atuou em mais de 100 filmes, muitos deles na UFA, o maior estúdio cinematográfico do país. Astro do cinema, e considerado um herói alemão na Primeira Guerra Mundial, e filho de um famoso banqueiro, era judeu, e foi executado em Auschwitz.
Edmond Roze (1878–1943)
Ator e diretor francês, um dos maiores nomes do teatro francês da década de 30, e também gravou discos, como cantor. Foi diretor do Théatre du Palais-Royal. Não era judeu, mas lutou na frente de resistência francesa, até ser enviado para um campo de concentração na Polônia.
Thea Sandten (1884–1943)
Atriz alemã. Entre 1912 e 1920, atou em mais de 50 filmes.
Robert Liebeman (1887-1942)
Diretor e roteirista, também trabalhou com o nome de Robert Land. Obras dirigidas por ele, como Amor e Champanhe (Liebe und Champagner, 1930), foram exibidos no Brasil.
Sophie de Vries-de Boer (1882-1944)
Uma das mais importantes atrizes holandesas do começo do século XX.
Bernard Natan (1886–1942)
O romeno Bernard Natan migrou para à França, e foi um herói do país na primeira guerra mundial. Pioneiro do cinema, foi diretor e produtor dos estúdios Pathé, tendo feito muitos filmes famosos internacionalmente na época.
Paralelamente, dirigia filmes adultos, com conteúdo sexual, sendo considerado o pioneiro do cinema pornográfico mundial. Ele havia sido preso na França, em 1942, por ter dirigido filmes homossexuais (embora também produzisse pornografia hétero, na maioria das vezes), e posteriormente entregue para autoridades alemãs, sendo executado pouco tempo depois. A acusação? Ser homossexual (bissexual, no caso de Natan).
Grete Berger (1883–1944)
Os fãs do expressionismo alemão podem ter notado a veterana estrela dos palcos em clássicos como O Estudante de Praga (Der Student von Prag, 1913), Dr. Mabuse, O Jogador (Dr. Mabuse, Der Spieler, 1922) e Metrópolis (Metropolis, 1927). Foi executada aos 61 anos de idade.
Grete Berger em O Estudante de Praga
Lina Salten (1890–1943)
Lina Salten foi uma das maiores estrelas do cinema alemão entre as décadas de 1910 e 1920.
Geza L. Weiss (1904–1944)
Ator alemão, um dos mais ativos coadjuvantes do cinema alemão da década de 30. Era também muito popular nos cabarés da época. Seu filho Franz Weiss sobreviveu ao campo de concentração, e posteriormente tornou-se cineasta.
Leia também: Curt Lowens, o ator que salvou crianças do Holocausto
Veja também: Cléo de Verberena, a primeira cineasta brasileira
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2 Comentários
Naõ só pessoas foram assassinadas. A cultura tambem.
ResponderExcluirAh, que tristeza!
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