Na década de 50 Maria Vidal consagrou-se uma das maiores comediantes do cinema e televisão de São Paulo, sendo muito querida pelo público. Mas a mulher que interpretava matronas, solteironas irascíveis e sogras mal humoradas nas chanchadas brasileiras, era uma pessoa triste, e sua morte, em 1963, abalou toda a comunidade artística, embora tenha sido bastante abafada na época.
A carreira
Nascida no Rio de Janeiro, em 24 de novembro de 1905, Maria Cândida dos Santos Vidal era filha de pais portugueses. Sua irmã mais velha, Julia Vidal, foi uma estrela dos palcos brasileiros entre o começo do século XX até a década de 1920.
Aos 13 anos de idade, por influência da irmã, Maria Vidal estreou no teatro, fazendo papel de ingênua, na peça Bahia, Terra Boa (1918), nos palcos do Teatro João Caetano. Na década de 20 atuou no teatro de revista, operetas musicais e espetáculos dramáticos e fez parte da Companhia de Procópio Ferreira. Ao mesmo tempo, formou-se em magistério, preparando-se para ser professora de física e ciências naturais.
Carnaval de 1925
Em 1932 Maria Vidal ingressou na Rádio Phillips, como rádio atriz, no Programa do Casé. Vidal também havia gravado alguns discos no começo da década de 30, normalmente ao lado do ator Pinto Filho, com quem fez parceria artística por 14 anos. Após uma breve passagem pela Rádio Guanabara, Maria Vidal ingressou no casting da Rádio Mayrink Veiga.
Maria Vidal e Pinto Filho cantando, em 1930
Na Mayrink, tornou-se uma estrela cômica, eternizando personagens como a Maria Escandalosa do programa Ritmo e Alegria, mas seu maior sucesso foi a protagonista do seriado radiofônico A Pensão da Dona Emília.
Maria Vidal e Manoel de Nóbrega, na Mayrink Veiga
No cinema, Maria Vidal estreou na comédia João Ninguém (1936), estrelada por Mesquitinha. Ela retornou ao cinema em Futebol em Família (1939) e O Cortiço (1945). Mas foi no rádio em que ela ficou famosa.
Em 1952, apesar do sucesso radiofônico, ela foi demitida da Mayrink, e acabou mudando-se para São Paulo, onde ela descobriria um novo filão de sua carreira, a televisão. Embora adorasse o Rio de Janeiro, foi em São Paulo que ela teve maiores oportunidades. Na recém inaugurada PFR-3 TV Tupi, Maria Vidal tornou-se uma estrela dos programas humorísticos.
Amiga de Deocélia Vianna (esposa de Oduvaldo Viana), Maria Vidal havia trabalhado no filme paulista Quase No Céu (1949), produzido por Assis Chateubriand, tendo os artistas contratados da Rádio Tupi como elenco principal. Na época, Maria Vidal também estava na Tupi. Ela interpretou a cozinheira da fazenda.
Maria Vidal em Quase no Céu (1949)
Na TV Tupi, ela atuou em diversos espetáculos do TV de Comédia, Follias Phillips e mesmo o Grande Teatro Tupi, que encenava peças dramáticas.
Sua entrada na televisão se deu por acaso, Gilberto Martins a convidou para substituir a atriz Lucilia Freire, que precisou deixar o elenco de um teleteatro.
Em 1953, ao lado de Jorge Dória, Márcia Real, Marisa Prado e Milton Ribeiro, ela estrelou a novela humorística Delícias da Vida Conjugal (1953).
Maria Vidal e Jorge Dória
Marisa Prado, Maria Vidal e Márcia Real
Na Tupi ela interpretou Dona Fifoca, Maria Garoa, a Gavioa dos Mares e ao lado de Percy Aires apresentou o programa Grande Revista Tupi, exibido aos domingos, no final da noite. Maria Vidal chegou a apresentar atrações internacionais na emissora, como o conjunto vocal norte-americano Four Aces, que se apresentou na Tupi em 1960. Querida pelos colegas, foi eleita "Rainha da Taba" em 1956. Todas as televisões e rádios de Chateubriand tinham nomes indígenas (como Tupi), e por isto o termo taba era usado para referir-se ao elenco destas emissoras.
Em 1954, na Multifilmes, Maria Vidal estrelou A Sogra (1954), ao lado de Procópio Ferreira, Eva Wilma, Gaetano Gherardi, e Arrelia, sob direção do ator Armando Couto. A atriz fazia o mesmo gênero de estrelas do cinema brasileiro, como Violeta Ferraz e Dercy Gonçalves.
Maria Vidal e Arrelia, em A Sogra (1954)
O filme fez tanto sucesso que no ano seguinte a Tupi criou a novela A Sogra Que Deus Me Deu (1955), onde Milton Ribeiro (o antigo astro de O Cangaceiro) sofria para poder namorar sua filha, interpretada por Marly Bueno (depois substituída por Vida Alves).
Marly Bueno, Ribeiro Filho e Maria Vidal em A Sogra Que Deus Me Deu
Na Tupi, ainda brilhou em programas como O Avesso da História (1954), Seu Pepino (1955) e Seu Tintoreto (1956) e Seu Genaro (1957).
Walter Stuart e Maria Vidal em Seu Pepino
Em 1958 Maria Vidal recebeu um troféu Roquette Pinto de Melhor teleatriz cômica. Mas apesar da premiação, a Tupi pareceu esquecer da artista, raramente a escalando para algo. Na imprensa, reclamavam sua ausência e ostracismo.
Comercial das Massas de Pizza Amaral, vinculado na TV Tupi na década de 50. Na época, fez muito sucesso, e era motivo de piadas pois a atriz retirava a pizza "quente" do forno, sem luvas. Foi dirigido por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.
Mas no cinema, Maria Vidal brilhava mais do que nunca. Na Maristela, ela estrelou ao lado de Jayme Costa a comédia A Pensão da Dona Estela (1956), baseada em antigo personagem radiofônico de Vidal, mas rebatizada por questões de direitos autorais.
Com Ronald Golias e Meire Nogueira ela fez Um Marido Barra Limpa (1957), e interpretou a mãe de Vera Nunes em Dorinha no Socaite (1958). No filme, Maria Vidal contracenou pela primeira vez com Zé Trindade no cinema, com quem faria outras parcerias.
Maria Vidal e Golias em Marido Barra Limpa (1957)
Sem trabalhos na televisão, ela continuou no cinema, atuando em Casei-me Com Um Xavante (1957), O Camelô da Rua Larga (1958), Vou te Contá (1958) e Quem Roubou Meu Samba (1959). Neste último, ela contracenou com o comediante Ankito.
Zé Trindade e Maria Vidal em O Camelô da Rua Larga
Maria Vidal retornou as novelas atuando em O Príncipe e o Pobre (1959) e novamente contracenou com Ankito na comédia Sai Dessa, Recruta (1959). Ainda em 1959, comemorou seus 25 anos de ingresso no rádio, em um show no Cine Piratininga, chamado "Bodas de Prata de Maria Vidal".
Em 1960, de férias no Rio de Janeiro, fez uma temporada na TV Tupi do Rio, aparecendo em programas como Cássio Muniz em Revista, e chegou mesmo a fazer alguns programas na TV Continental, enquanto negociava a renovação de seu contrato com a Tupi paulista.
Maria assinou a renovação, mas estava insatisfeita na emissora, que só a escalaria novamente em 1963, para a novela Klauss, O Loiro (1963), estrelada por Henrique Martins.
O amor aos animais e o final trágico da artista
Com tempo livre, Maria Vidal passou a dedicar-se a sua verdadeira paixão, a proteção aos animais. Além de alimentar e recolher animais de rua, Maria Vidal tentou levantar fundos para construir A Cidade dos Cachorros, um abrigo para animais.
Mas a situação financeira da artista não estava tão boa quando sua popularidade. Ela recebia da Tupi 40 mil cruzeiros (valor do seu aluguel), e a emissora negou-se liberar seu contrato para ela ir para a Excelsior, que havia oferecido um salário de 100 mil cruzeiros. Além de cuidar de seus 40 animais (entre gatos e cachorros), ela cuidava também da irmã, a ex estrela dos palcos Julia Vidal, então com mais de 70 anos.
Maria residia no bairro Sumaré, em São Paulo (próximo a TV Tupi), onde morava com a irmã e seus animais. Mas os vizinhos da atriz, que morava em uma região nobre e tradicional da sociedade paulista, não gostavam dos bichos que viviam em sua casa, e chamaram a prefeitura, que acabou levando todos os animais da artista, para serem sacrificados.
Deprimida, e com graves problemas financeiros (ela estava prestes a ser despejada), Maria Vidal tomou soda caustica para se matar, no dia 14 de abril de 1963. Além disto, para garantir o trágico resultado ainda ligou o gás e colocou o cabeça dentro do forno. A atriz ainda sobreviveu, ficando internada no hospital em estado grave por um mês. Ela faleceu em 14 de maio de 1963, aos 57 anos de idade. Enquanto estava internada, sua irmã foi despejada.
Uma associação de proteção a animais construiu uma estátua tendo como modelo um dos cães sacrificados, e queria doar a escultura para enfeitar a lápide da atriz. Mas isto acabou não acontecendo, pois Maria Vidal quase foi enterrada como indigente, se não fossem os colegas de Tupi realizarem "uma vaquinha" para lhe garantir um jazigo, porém, sem a estátua, devido a urgência em se conseguir um tumulo, mesmo que simples.
A estátua então foi doada a prefeitura de São Paulo, que a colocou no Parque do Ibirapuera. Na placa, não há nenhuma menção a atriz, já que o motivo de sua morte foi abafado na época. Nela consta apenas os dizeres, "nosso melhor amigo". O local onde hoje está o Ibirapuera, anteriormente, abrigava um cemitério de animais na cidade.
Lápide do cão Pinguim, do antigo cemitério de animais,
uma das poucas que sobreviveu no Parque do Ibirapuera
Após a morte da atriz, os vizinhos arrependidos, entraram com um pedido na prefeitura, pedindo que e a rua onde a artista morava passasse a se chamar Rua Maria Vidal. E assim foi feito.
Com a morte da irmã, Julia Vidal foi morar nas ruas, como indigente.
Julia Vidal
Nascida em Portugal, em 1890, Julia Vidal estreou nos palcos nos primeiros anos do século XX, tornando-se uma estrela teatral. Ela contracenou com grandes nomes da época como Procópio Ferreira, Leopoldo Fróes, Raul Roulien (ainda criança), Otilia Amorim, Nair Alves, Alda Garrido, e tantos outros.
Além do talento, a atriz chamava a atenção por sua beleza física. Mas no auge da fama, foi diagnosticada com neurastenia, um problema psicológico similar uma forte depressão. Ela tentou suicídio diversas vezes, o que gerava piadas na imprensa, que também debochava de seu aumento de peso a partir da década de 20.
Aposentada dos palcos em 1941, após atuar na peça A Mulher das Jóias, estrelada por Alda Garrido, Julia Vidal também atuou no cinema brasileiro, já veterana. Ela apareceu nos filmes Pureza (1940), O Dia é Nosso (1941), Entra na Farra (1943), Pif-Paf (1945) e O Cortiço (1945), no qual contracenou com a irmã.
Julia Vidal, Georgina Teixeira e Dircinha Batista em Entra na Farra (1943)
Em 1946, seu antigo partner dos palcos, Edson Leite, conseguiu para ela uma vaga no Retiro dos Artistas, fundado por ele e Leopoldo Fróes. Mas quando Maria Vidal mudou-se para São Paulo em 1952, levou a irmã com ela. Ambas nunca se casaram, nem tiveram filhos.
Anos antes, Julia Vidal disse em uma entrevista, que era uma "sombra do teatro brasileiro". Não se tem notícia da data de seu falecimento, mas acredita-se que devido a sua idade (73 anos) e condição de saúde, ela tenha falecido pouco tempo depois da irmã.
Julia Vidal, no Retiro dos Artistas, em 1948
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7 Comentários
Muito boa matéria. Sugiro apenas que troquem, na parte que fala do comercial de pizza, a palavra "vinculado", por veiculado, que neste caso é a forma correta.
ResponderExcluirQue história triste!!!
ResponderExcluirQue história triste!
ResponderExcluirComo diz o ditado: "Quanto mais conheço os seres humanos, mais amo os animais"
ResponderExcluirParabéns pela matéria, um pais sem memoria que ainda acontece muito dessas historia nos dias atuais !!!
ResponderExcluirHistória triste demais!
ResponderExcluirConhecia essa história de duas atrizes fantásticas, mas, com um final muito triste! Ambas com depressão.
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