Em 1954 Dorothy Dandridge tornou-se a primeira mulher negra indicada ao Oscar de Melhor Atriz, pelo seu trabalho no filme Carmen Jones (Idem, 1954). Foi um marco na história de Hollywood, mas não ao ponto de elevar a atriz ao patamar de estrela do primeiro time.
Antes dela, apenas Hattie McDaniel (em 1939) e Ethel Waters (1949), haviam sido indicadas ao prêmio, na categoria de atriz coadjuvante.
Dorothy Jean Dandridge nasceu em Cleveland, Ohio, em 09 de novembro de 1922. O pai de Dorothy era bilheteiro de teatro e ministro episcopal, e a mãe, Ruby Dandridge era atriz.
Seu pai abandonou a família logo após o nascimento de Dorothy, e Ruby acabou criando um número musical onde as filhas cantavam e dançavam, em uma dupla chamada The Wonder Children. Elas se apresentavam em teatros e casas noturnas baratas, e ficaram em turnê por cinco anos, sem frequentar a escola.
Porém, após a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929, e a chegada da Grande Depressão nos EUA, as meninas se viram sem trabalho, e Ruby mudou-se para Hollywood, em busca de trabalho. Ruby e Vivian Dandridge, a filha mais velha, conseguiram um papel como figurante, engrossando o time de nativos da ilha no clássico King Kong (Idem, 1933).
Em 1934 as irmãs Dorothy e Vivian se juntaram a Etta Jones, amiga de escola de Dorothy, e montaram o trio The Dandridge Sisters, embora elas não tivessem nenhum parentesco. James mais tarde se tornaria uma respeitada cantora de jazz.
The Dandridge Sisters
Ruby Dandrige (1900-1987) estava conseguindo alguns papéis no rádio, e também era um rosto até que constante no cinema, sempre fazendo papéis de empregadas domésticas, personagens caricatos ou nativos exóticos estereotipados. Mas apesar da carreira limitada, ela conseguiu colocar as meninas no cinema, geralmente aparecendo cantando e dançando em algum número musical.
Vivian Dandridge (1921-1991), eventualmente, também conseguia um papel solo, longe do trio, mas também em participações pequenas, muitas vezes nem creditada, como acontecia com sua mãe.
Ruby Dandridge
Vivan Dandridge
Dorothy Dandridge apareceu no cinema pela primeira vez em um curta-metragem de Os Batutinhas (Our Gang) em 1935, e com as The Dandridge Sisters apareceu pela primeira vez em um longa no filme Ondas Sonoras de 1936 (The Big Broadcast of 1935).
As meninas apareceram em 7 filmes juntas, até 1940.
Dorothy Dandridge fazendo figuração em Os Batutinhas
As Dandridge Sisters no cinema
O trio também continuava a se apresentar em casas noturnas pelos Estados Unidos, e Dorothy começou a se destacar em relação ao restante do trio. Em 1940 ela fez o primeiro filme sozinha, Four Shall Die (1940), onde também teve seu nome incluído nos créditos.
Dorothy Dandridge em Four Shall Die
Ela conseguiu pequenos papéis em filmes como O Carnaval da Vida (Lady From Louisiana, 1941), estrelado por John Wayne, e O Entardecer (Sundown, 1941), estrelado por Gene Tirney. Normalmente Dorothy aparecia em pequenas cenas, como cantora, mas eventualmente fazia uma nativa exótica, como Drums of Congo (1942) ou uma empregada doméstica, como em Coração de Pedra (Lucky Jordan, 1942).
John Wayne, Ona Musson e Dorothy Dandridge em O Carnaval da Vida
Dorothy Dandridge emDrums of Congo
Em 1941 ela conseguiu seu primeiro grande número musical no filme Quero Casar-Me Contigo (Sun Valley Serenade, 1941), uma super produção da Fox, protagonizada pela estrela dos patins no gelo Sonja Heine. Neste filme, ela contracenou pela primeira vez com a dupla de dançarinos Nicholas Brothers.
Os números musicais com artistas negros entravam de forma aleatória no filme, de forma a não comprometer a trama, para poder ser cortado facilmente, caso o público rejeitasse a cena.
Dorothy Dandridge e os Nicholas Brothers
em Quero Casar-Me Contigo
Por toda década de 1940 Dorothy fez pequenas participações em filmes e musicais, pouco expressivas para a sua carreira. E em muitas ocasiões, uma forte maquiagem era usada para "embranquecê-la".
Em 1942 ela se casou com Harold Nicholas, um dos integrantes dos Nicholas Brothers. No ano seguinte, ela deu à luz a sua única filha, Harolyn Suzanne Nicholas, que nasceu com uma lesão cerebral devido ao excesso de trabalho da mãe.
Dorothy Dandridge e a filha
O casamento conturbado com Nicholas (encerrado em 1951) e o nascimento da filha, que exigia cuidados especiais, fez com que a atriz largasse a carreira em 1946. Ela só retornou ao cinema quando atuou em Tarzan na Terra Selvagem (Tarzan's Peril, 1951), estrelado por Lex Baker.
Lex Baker e Dorothy Dandridge em Tarzan na Terra Selvagem
Em 1952 um agente da MGM assistiu a um show da artista, e a recomendou para um papel no filme Bright Road (1952), que foi seu primeiro destaque no cinema. A crítica a classificou como "uma atriz emotiva e maravilhosa". Após o filme, ela também foi convidada para cantar no famoso Ed Sullivan's Show, na televisão.
Harry Belafonte e Dorothy Dandrige em Bright Road
O filme era uma produção menor do estúdio, mas valeu a atriz um convite para fazer um musical no filme A Porta Secreta (Remains to Be Seen, 1952), estrelado por June Allyson e Van Jonshon, estrelas do primeiro time da MGM.
Em 1953 a Fox começou uma busca nacional para escalar o elenco da adaptação do musical Carmen Jones (Idem, 1953), que havia feito muito sucesso na Broadway. Derivado da ópera de Bizet, a produção foi projetada para ser protagonizada por artistas negros, e agora se passava no pós Segunda Guerra Mundial.
Dorothy Dandridge sabia que esta era grande oportunidade de sua carreira. Ela cantava nas boates dos hotéis mais luxuosos do país, mas por questões raciais nunca podia se hospedar em um quarto do hotel em que cantava.
Inicialmente, Otto Preminger, o diretor da obra, não a queria no papel, por a considera-la muito sofisticada para o papel. Dorothy recorreu aos maquiadores do estúdio, e foi até o escritório do diretor confrontá-lo. Ela saiu de lá com o papel, e ainda conseguiu que o diretor contratasse seu amigo Harry Belafonte para ser seu par romântico.
Dorothy Dandridge e Harry Belafonte em Carmen Jones
Mas apesar de ser uma cantora excelente, ela acabou sendo dublada pela cantora de ópera Marilyn Horne. Carmen Jones fez um enorme sucesso, e foi uma das maiores bilheterias do ano, e rendeu a atriz o pioneirismo de ser a primeira atriz negra indicada ao Oscar de Melhor Atriz.
Ela também se tornou a primeira mulher negra a aparecer na capa da famosa revista Life, em 01 de novembro de 1954.
Mas apesar do sucesso, novos convites não vieram. Posteriormente, em uma entrevista, a atriz declarou: "Foi a maior chance que já tive, mas nenhum produtor nunca bateu na minha porta. Não há muitos papéis para uma atriz negra. Se eu fosse branca, teria conquistado o mundo".
Dorothy Dandridge assinou um contrato para três filmes na FOX, mas durante as filmagens ela teve um caso com o diretor Otto Preminger, que durou quatro anos. Preminger a aconselhou a não aceitar nenhum papel que não fosse de protagonista, o que limitou ainda mais a sua carreira. Sua luta pelos direitos civis dos negros americanos também não foi bem vista em uma América extremamente racista e segregacionista.
Ela recusou o papel de Tuptin em O Rei e Eu (The King and I, 1956), que acabou indo para Rita Moreno.
Por seguir o conselho de Otto Preminger, que depois ela se arrependeu, ela só conseguiu retornar ao cinema em 1957, quando atuou em Ilha nos Trópicos (Island in the Sun, 1957), onde novamente trabalhou com Harry Belafonte. O filme causou polêmica por retratar romances inter-raciais.
John Justin e Dorothy Dandridge em Ilha nos Trópicos
Sem trabalhos em Hollywood, e entrando em dificuldades financeiras, ela começou a fazer turnês como cantora pelo mundo, vindo inclusive ao Brasil em algumas ocasiões. Ela já havia vindo ao país em 1953, e retornou em 1955. Ela faria uma terceira turnê brasileira em 1960. O site Caixa de Sucessos fez uma excelente matéria sobre as turnês da artista no país, que pode ser lida aqui.
O ator brasileiro Cyl Farney e Dorothy Dandridge, no Brasil
Quando a atriz percebeu que Otto Preminger não iria largar sua esposa para ficar com ela, Dorothy terminou o relacionamento. Ela entrou em depressão, e começou a beber.
Sua carreira de cantora também não ia muito bem. Ela gravou poucos discos, devido a falta de interesse das gravadoras.
Sem trabalho em Hollywood, ela foi para à Itália filmar Tamango (1958), onde novamente interpretava uma nativa de terras exóticas.
Dorothy Dandridge em Tamango
Dorothy ainda atuaria em Terror no Mar (The Decks Ran Red, 1958) e ao lado de Sidney Poitier estrelou Porgy & Bess (Porgy and Bess, 1958), outra ópera musical, escrita agora por George Gershwin.
Sidney Poitier e Dorothy Dandridge em Porgy & Bess
Ela ainda atuaria ainda em Málaga (Moment of Danger, 1959), seu último trabalho no cinema. Em 1959 Dorothy se casou novamente com Jack Denison, de quem se separou em1962, após sofrer anos de violência doméstica.
Dorothy também descobriu que o marido havia roubado todo seu dinheiro, e deixando uma fortuna em dívidas com o imposto de renda. Ela precisou vender a sua casa em Hollywood, e sem condições de criar a filha, a internou em uma instituição psiquiátrica pública.
A artista se viu obrigada a fazer diversos shows para saldar a dívida com o governo, e por isto fez sua terceira turnê ao Brasil, em 1960. Contratada para cantar na TV Tupi, a atriz compareceu embriagada em alguns compromissos, e cantou apenas nos Rio de Janeiro, tendo seu contrato com a Tupi de São Paulo rescindido, sem direito a cachê.
Dorothy Dandridge na TV Tupi
Dorothy Dandridge ainda começou a filmar Marco Polo em 1962, um filme francês no qual ela contracenava com o galã Alain Delon. Mas o produtor Rauol Lévy ficou sem dinheiro para terminar a obra, e nunca finalizou o projeto. Em 1966 Levy cometeu suicídio, e nunca se soube o paradeiro do material filmado.
Dorothy Dandridge e Alain Delon em Marco Polo
Um ano antes da morte de Levy, Dorothy Dandridge também havia sido encontrada morta em seu pequeno apartamento de um cômodo. Em 08 de setembro de 1965 a atriz conversou ao telefone com seu agente, para combinar os detalhes de um show que faria em Nova York, e horas depois foi encontrada sem vida no chão.
Ela tinha apenas 42 anos de idade, e sofreu uma overdose de antidepressivos. Dorothy Dandridge tinha apenas 2 dólares em sua conta e alguns milhares de dólares em dívidas, e deixou um bilhete dizendo para doarem seus móveis e roupas para sua mãe, que também passava necessidades financeiras.
Dorothy Dandridge em 1965
Em 1999 sua vida foi contada no filme Dorothy Dandridge - O Brilho de Uma Estrela (Introducing Dorothy Dandridge, 1999), com Halle Berry no papel da estrela. Em 2002 Berry se tornou a primeira atriz negra a receber um Oscar na categoria principal, quase 50 anos após a indicação de Dorothy Dandridge.
1 Comentários
Que vida atribulada.
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