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Sacheen Littlefeather, a indígena que protestou no Oscar



Em 27 de março de 1973 realizou-se a 45º edição da entrega do Oscar, que consagrou Marlon Brando vencedor do Oscar de Melhor ator daquele ano, por seu papel em O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972). Brando, que já havia vencido o prêmio (na categoria de coadjuvante em 1955), não subiu ao palco para agradecer, e enviou uma representante em seu lugar, para recusá-lo!

Roger Moore tentou entregar a estátua para a jovem índia que subiu ao palco, mas esta recusou a estatueta, deixando Moore e Liv Ullman sem saber o que fazer. Trajada com uma roupa nativa, Sacheen Littlefeather leu um discurso onde justificava sua presença, e a recusa de Marlon Brando, que decidira protestar contra o tratamento dado aos nativos americanos naquele momento.

 

Tradução: “Olá. Meu nome é Sacheen Littlefeather. Sou apache e presidente do Comitê Nacional de Imagem Afirmativa Nativo Americana. Estou representando Marlon Brando nesta noite, e ele me pediu para dizer em um longo discurso, que eu não posso dividir com vocês agora por causa do tempo, mas eu dividirei com alegria para a imprensa em seguida. É com muito pesar que ele não aceita este prêmio generoso. E as razões para isso são o tratamento dos índios americanos hoje na indústria cinematográfica. Perdoem-me, e em reprises de filmes na televisão, além do que aconteceu recentemente em Wounded Knee. Espero não ter interrompido esta noite, e espero que possamos, no futuro, unir nossos corações e pensamentos em amor e generosidade. Obrigada em nome de Marlon Brando.”

Sacheen Littlefeather pretendia ler 15 páginas de discurso, mas foi interrompida após falar por 60 segundos. Marlon Brando havia enviado a jovem para representá-lo, devido ao que acontecia no momento em Wounded Knee, na cidade de Dacota do Sul. No mês anterior a premiação, o  Movimento dos Índios Americanos estava cercado pelas forças militares, num conflito que durou 71 dias. Em 1890, no mesmo local, ocorrera o Massacra de Wounded Knee, quando a cavalaria norte-americana matou mais de 150 índios.

Marlon Brando, que era envolvido em diversos movimentos sociais, já havia dito que boicotaria a cerimônia, em apoio ao movimento indígena.


Durante seu discurso, Sacheen Littlefeather recebeu vaias e aplausos. Rachel Welch e Michael Caine, alguns dos apresentadores da noite, fizeram piada com seu protesto, e John Wayne precisou ser contido por seis seguranças para evitar que ele agredisse a moça nos bastidores. 

Após a polêmica, a Academia proibiu que outras pessoas subissem ao palco representando o vencendor da noite.

Dois dias após a cerimônia, Sacheen foi visitar Marlon Brando em sua residência, e tiros foram disparados contra a casa do ator.


Quem era Sacheen Littlefeather?

Nascida Marie Louise Cruz, em Salinas, Califórnia, em 14 de novembro de 1946, ela era filha de um um índio apache com uma mulher branca. Seu pai bebia muito, e constantemente espancava a sua mãe, e a menina foi criada pelos avós maternos para fugir do lar abusivo.

Criada como católica, a menina sofria preconceito racial por ser mestiça. Na infância, ainda valia a lei a de segregação racial, e ela era proibida de entrar em diversos lugares e tinha que sentar no lugar destinado a negros nos veículos coletivos.

Durante a faculdade, ela começou cada vez mais a se interessar por sua cultura nativa, e começou a trabalhar na Casa da Amizade Intertribal. Em 1969 entrou para um movimento de defesa dos índios, e participou da invasão da antiga cadeia de Alcatraz, em protesto contra o tratamento dado a seu povo. Nesta época, adotou o nome tribal de Sacheen Littlefeather. 

Nesta época ela ganhou uma bolsa de estudos integral para o American Conservatory Theatre, e começou a estudar para ser atriz. Fez vários comercias, e filiou-se ao Screen Actors Guild. Em 1970 foi eleita Miss USA Vampire.


Em outubro de 1973 chegaram as bancas de revista uma edição da Revista Playboy contendo um ensaio sensual de Sacheen, que foi acusada de usar a fama do protesto para se auto promover. Porém, ela havia feito as fotos um ano antes, em 1972, para um editorial chamado 10 Little Indians, com dez modelos nativas. Porém, com a situação de Wounded Knee, a revista achou que poderia criar um incidente ainda maior, e cancelou a publicação. Mas em 1973, aproveitando-se da fama de Sacheen, lançou suas fotos numa nova edição.

Ainda em 1973 ela estreou como atriz, fazendo um pequeno papel no filme italiano Il Consigliori (1973).

Sacheen Littlefeather em Il Consigliori
 
O papel era pequeno, mas ela seguiu tentando uma carreira. De volta aos Estados Unidos atuou em São Francisco Cidade Nua (The Laughing Policeman, 1973) e Os Anjos da Guarda (Freebie and the Bean, 1974). Com uma carreira pouco expressiva, acabou fazendo filmes de baixo orçamento, com apelo sensual, como Johnny Firecloud (1975). Bastante criticada pelos papéis que escolheu, que nada favoreciam a comunidade indígena, aceitou o papel de uma mulher Navajo em A Vingança do Falcão (Winterhawk, 1975).



Em 1976 a atriz teve um grave problemas nos pulmões, e deixou de atuar. Recuperada, foi estudar saúde em medicina indígena. Depois, formou-se em nutrição, e mudou para Estocolmo para aprimorar seus estudos. Viajou por diversos países da Europa pesquisando formas de alimentação saudável. Retornou aos Estados Unidos, onde passou a dar aulas no St. Mary's Hospital, em Tucson, Arizona, e ingressou no Instituto de Artes Indígenas Americanas em Santa Fé.

Ela ainda faria mais um filme, Sol Maldito (Shoot the Sun Down, 1978), antes de se aposentar totalmente da carreira artística. Em 1979 ela ajudou a fundar a National American Indian Performing Arts Registry, que auxilia na contratação de atores nativos para produções em Hollywood. 

Sacheen Littlefeather também dirigiu diversos documentários sobre a cultura nativa norte-americana, e recebeu um prêmio Emmy em 1984 por um desses trabalhos.

Ela continuou fazendo ativismo e se tornou um membro respeitado da comunidade indígena da Califórnia.  Em 1988, ela trabalhou com Madre Teresa de Calcutá ajudando pacientes com AIDS em cuidados paliativos, mais tarde fundando o American Indian AIDS Institute de São Francisco. Ela também fez campanha contra a obesidade, alcoolismo e diabetes, e especificamente ajudou nativos americanos com AIDS, incluindo seu irmão.

No começo de 2022 a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas se desculpou pelo tratamento que Sacheen recebeu na cerimônia de 1973. Pouco tempo depois, 02 de setembro ela faleceu aos 75 anos de idade, vítima de um câncer de mama.




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